Você provavelmente já cruzou com eles. Rolando o feed do Instagram, navegando pelo TikTok ou explorando o Kwai, lá estão: vídeos vibrantes de alguém cortando frutas virtuais na tela de um celular, acompanhados de cifras que saltam aos olhos e promessas de dinheiro fácil. Fruit Cash, Fruit Money, Fruit Slicer... os nomes são muitos, a fachada é quase sempre a mesma. Inspirados na mecânica simples e viciante do popular Fruit Ninja, esses jogos de apostas se apresentam como um passatempo lucrativo, uma forma descompromissada de engordar a conta bancária.

Exemplos de promoções dos "Jogos da Frutinha" em plataformas como TikTok, Instagram e Kwai, frequentemente associadas a promessas de ganhos rápidos.
Contudo, um ponto fundamental precisa ser destacado logo de partida:
Estes jogos não são encontrados em plataformas de cassino online legalizadas e auditadas.
Eles habitam uma zona nebulosa e não regulamentada da internet, precisamente por não se submeterem a nenhuma regra de verificação de aleatoriedade nos resultados, como os testes em Geradores de Números Aleatórios (RNG), nem a outras práticas essenciais que asseguram um mínimo de transparência e jogo justo.
Esta não é uma moda passageira, mas uma epidemia digital meticulosamente orquestrada. A popularidade desses jogos é fruto de um marketing digital agressivo, coordenado e estrelado por pequenos influenciadores digitais. O impacto dessa ofensiva publicitária é palpável e reflete-se diretamente no comportamento de busca online dos brasileiros.
De fato, dados de volume de pesquisa compilados para esta investigação (ver gráfico abaixo, que resume estes dados por categorias de intenção ) confirmam um expressivo e contínuo interesse do público por termos associados a estes jogos. Esse fluxo de atenção online, com notável volume de buscas, acompanha de perto as ondas de promoção massiva realizadas por esses influenciadores.
(Volume Mensal p/ Categoria)
Em seus perfis, esses influenciadores atribuem seus sucessos financeiros aos cortes certeiros nas frutinhas digitais. Com um sorriso no rosto e um link na bio, convidam seus seguidores a participar da "festa".
Mas o que acontece quando a música para e as luzes se acendem? A realidade, como nossa investigação apurou, é desoladora. Por trás da interface colorida e da promessa de ganhos rápidos, opera um esquema fraudulento, que já prejudicou financeiramente e minou a confiança de muitos brasileiros.
A semelhança com jogos casuais conhecidos não é coincidência, mas uma tática deliberada para baixar a guarda do usuário, conferindo uma falsa sensação de legitimidade e segurança. É o primeiro passo para o engodo. Nossa investigação se aprofunda nas engrenagens dessa fraude, um alerta contundente sobre os perigos que se escondem por trás da promessa de ganhos.
Uma mecânica viciada que garante o prejuízo
A primeira impressão é crucial, e os operadores desses esquemas sabem disso. Ao iniciar um "Jogo da Frutinha" qualquer, o usuário é recebido com uma aparente facilidade desconcertante: frutas de alto valor pipocam na tela, bombas são raras e os ganhos acumulam-se rapidamente. Essa experiência inicial, frequentemente em versões "demo" ou nas primeiras rodadas após um pequeno depósito, é calibrada para ser gratificante e ancorar a crença de que ganhar é não apenas possível, mas provável.
O cenário, no entanto, sofre uma metamorfose cruel quando o jogador decide apostar valores mais significativos. Subitamente, a tela é invadida por bombas estrategicamente posicionadas, e as frutas de valores irrisórios (como maçãs e maracujás de R$0,10) tornam-se a norma. Acumular um saldo que justifique um saque transforma-se numa provação.
No vídeo abaixo, do canal Gêmeos Investem, você pode verificar essa diferença de dificuldade entre o modo teste (e os vídeos mostrados em propagandas) e o modo a dinheiro real:
Este é um sistema programado para o fracasso do usuário, com um algoritmo desenhado para garantir que a casa sempre vença. A frustração do jogador é, paradoxalmente, um dos motores do esquema. A perda é atribuída à falta de habilidade pessoal, e não a um sistema manipulado. Aquele "quase ganho", a bomba que surge no último segundo, são gatilhos psicológicos que fomentam a persistência, um padrão comportamental perigosamente similar ao observado em jogadores compulsivos de caça-níqueis.
A ausência total de transparência é outro pilar da fraude. Em cassinos online legítimos, informações como o Gerador de Números Aleatórios (RNG) certificado e o Retorno ao Jogador (RTP) são auditadas e publicizadas, assegurando justiça. Nos "Jogos da Frutinha", tais termos são desconhecidos; o jogador não tem como aferir suas chances reais, pois a plataforma controla os resultados para maximizar seu lucro. É um jogo de cartas marcadas.
Influenciadores no centro da teia
A engrenagem principal que impulsiona milhares de brasileiros para esses jogos fraudulentos tem nome e, por vezes, também rosto: influenciadores digitais. São eles os garotos-propaganda do golpe. Em vídeos e posts, afirmam explicitamente que é possível conseguir uma renda extra nos "Jogos da Frutinha" e fazem incentivos diretos para que seus seguidores se cadastrem e depositem dinheiro real através de links personalizados.
O que não contam aos seus seguidores é a natureza da parceria que mantêm com essas plataformas. A remuneração para esses influenciadores frequentemente se baseia no modelo de CPA (Custo por Aquisição), onde recebem uma comissão por cada novo jogador que se cadastra na plataforma e realiza um depósito inicial utilizando seu link de afiliado. Conforme observado em diversas plataformas desses "Jogos da Frutinha", as condições e valores de comissão para afiliados são abertamente divulgados, buscando atrair mais promotores.
Embora o modelo de CPA seja uma prática comum no marketing de afiliados, no contexto de jogos não regulamentados e com as características fraudulentas aqui investigadas, ele levanta sérias questões éticas sobre a responsabilidade do influenciador ao direcionar seu público para atividades de alto risco financeiro.
Além disso, a forma como publicitam o jogo, prometendo ganhos fáceis, esbarra frontalmente nas diretrizes do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). O Anexo "X" do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que trata da publicidade de apostas, é sistematicamente ignorado. Exigências como a identificação clara da natureza publicitária da mensagem, a proibição de promessas de ganhos fáceis ou garantidos, e a inclusão de alertas sobre Jogo Responsável e restrições de idade são solenemente desprezadas.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já alertou para a gravidade da situação, defendendo a responsabilização solidária dos influenciadores pelos danos causados. A alegação de serem meros "veículos de comunicação" perde força quando suas promoções, muitas vezes remuneradas por aquisição de novos jogadores que realizam depósitos, induzem diretamente os consumidores a plataformas que resultam em perdas financeiras e outros prejuízos.
A Justiça começa a fechar o cerco. Investigações policiais em estados como Ceará, Mato Grosso, São Paulo e Pará miram influenciadores e operadores de plataformas ilegais. Casos envolvendo figuras públicas, como a influenciadora Deolane Bezerra, investigada por suposta lavagem de dinheiro em associação com plataformas de apostas, servem de alerta.
Da mesma forma, prisões como as de Ianka Cristini e Bruno Martins em Santa Catarina, relacionadas à promoção irregular de jogos de azar online, incluindo o popular "Jogo do Tigrinho", demonstram um aumento na fiscalização. É importante notar que, mesmo quando um jogo como o "Jogo do Tigrinho" possa, em si, operar dentro de um quadro regulamentado, as investigações frequentemente se concentram nas táticas de publicidade ilegal e enganosa utilizadas para atrair jogadores – um problema também central na disseminação dos "Jogos da Frutinha" aqui analisados. A percepção de impunidade para essas práticas parece estar diminuindo.
Radiografia da fraude: ilegalidade e propaganda predatória
A afirmação de que os "Jogos da Frutinha" são um golpe não é uma opinião, mas uma constatação baseada na análise de suas operações e no confronto com o ordenamento jurídico brasileiro.
Ilegalidade e desconformidade regulatória
A recente Lei nº 14.790/2023 e a Portaria Normativa SPA/MF nº 1.207/2024 estabelecem regras claras para apostas online no Brasil, exigindo autorização do Ministério da Fazenda, jogos certificáveis com Gerador de Números Aleatórios (RNG) auditado e transparência.
Os "Jogos da Frutinha" ignoram completamente tais exigências: não possuem licença de operação no país nem são encontrados em cassinos online legítimos. Adicionalmente, a exploração de jogos de azar não autorizados configura contravenção penal (Artigo 50 do Decreto-Lei nº 3.688/1941), tornando sua operação duplamente ilegal.
O cofre trancado: saques bloqueados e abusos
Mesmo que um jogador acumule algum saldo, retirá-lo se torna uma verdadeira provação. As plataformas empregam um arsenal de táticas para reter o dinheiro: valores mínimos de saque proibitivos (como R$150 ou R$180), a famigerada regra do "rollover" que obriga o jogador a apostar múltiplas vezes o valor depositado (e bônus), taxas surpresa sobre as retiradas e, em muitos casos, a exigência de novos depósitos para "liberar" saques que nunca se concretizam.
Outras armadilhas comuns
O repertório de artimanhas para lesar o usuário inclui ainda taxas por inatividade da conta, que podem levar à sua exclusão com perda de saldo; bônus de fachada, com condições de rollover praticamente impossíveis de cumprir, servindo apenas para prender o dinheiro do depósito inicial; e um design de jogo enganoso, que utiliza notificações falsas de "outros jogadores ganhando" para criar uma ilusão de oportunidade e incentivar mais apostas.
As vítimas reclamando
A frustração e o sentimento de engano das vítimas são palpáveis em portais como o ReclameAqui. Plataformas como "Fruit Cash" acumulam centenas de queixas detalhando saques bloqueados, a exigência de depósitos adicionais para retiradas e a forte percepção de que o jogo é manipulado. O silêncio ou as respostas evasivas dessas empresas diante das reclamações são comportamentos típicos de operadores fraudulentos.
Órgãos como o Procon-SP também já alertaram para a alta incidência de problemas enfrentados por jogadores online, sendo a recusa no pagamento de prêmios uma das queixas mais comuns.

Exemplos de queixas de usuários contra os "Jogos da Frutinha" em portais de defesa do consumidor.
Checklist Anti-Golpe
A informação e a desconfiança são suas melhores aliadas. Ninguém está imune à sedução de um ganho extra, mas reconhecer os sinais de alerta pode poupar muita dor de cabeça e dinheiro. Eis como identificar rapidamente um jogo de aposta fraudulento:
Sinal de Alerta | O que Verificar/Fazer? | 🗹 |
---|---|---|
Promessa de Dinheiro Fácil e Rápido | Desconfiar imediatamente. Nenhuma aposta legal garante lucro fácil. | ☐ |
Sem Licença de Operação no Brasil | Checar o site do Ministério da Fazenda ou nosso Verificador de Bets Legais. Se não consta, é ilegal. | ☐ |
Sem Informação de RTP ou Auditoria | Procurar por RTP e auditorias independentes. Ausência é mau sinal. | ☐ |
Influenciador Omitindo Riscos | Questionar a veracidade. Lembrar que é publicidade paga. | ☐ |
Dificuldade Excessiva para Sacar | Ler termos e condições de saque antes de depositar. Regras abusivas indicam problema. | ☐ |
Exigência de Novos Depósitos para Saque | Considerar golpe clássico. Não depositar mais. Denunciar. | ☐ |
Ausência de Suporte ao Cliente Eficaz | Testar o suporte. Se não há resposta ou é evasiva, evite. | ☐ |
Reputação Ruim em Sites de Reclamação | Consultar o ReclameAqui. Muitas queixas não resolvidas são um péssimo sinal. | ☐ |
Falta de Ferramentas de Jogo Responsável | Verificar se oferece opções de autoexclusão, limites. A ausência indica descaso. | ☐ |
Jogue em segurança em cassinos licenciados
A investigação detalhada sobre os "Jogos da Frutinha" expõe um panorama preocupante: são plataformas fraudulentas, operando completamente à margem da legalidade e criadas deliberadamente para lesar seus usuários. Esses esquemas exploram a busca por ganhos fáceis com promessas ilusórias, total ausência de transparência e mecânicas de jogo manipuladas, resultando invariavelmente em prejuízos financeiros e profunda frustração.
Para aqueles que buscam entretenimento através de jogos e apostas online, existe, felizmente, um caminho seguro e confiável: optar exclusivamente por plataformas de jogo online devidamente licenciadas e regulamentadas no Brasil, que atuam em conformidade com a Lei nº 14.790/2023 e as normativas do Ministério da Fazenda.
Casas licenciadas oferecem um ambiente de jogo fundamentalmente diferente e protegido, sendo legalmente obrigadas a assegurar:
- Jogo Justo: com resultados determinados por Geradores de Números Aleatórios (RNG) certificados e submetidos a auditorias independentes.
- Segurança: proteção rigorosa dos dados pessoais e financeiros dos apostadores, seguindo protocolos de segurança e a LGPD.
- Transparência Operacional: regras claras para todos os jogos, termos e condições acessíveis e informações da empresa facilmente verificáveis.
- Jogo Responsável: implementação obrigatória de ferramentas de controle, como limites de depósito, de perdas, de tempo, e opções de autoexclusão, além de fornecer informações sobre os riscos do jogo.
Portanto, a decisão de onde jogar online não deve ser tomada de ânimo leve. Escolher o jogo em ambientes regulamentados não é apenas uma preferência, mas uma condição indispensável para uma experiência de entretenimento que seja, de fato, segura, justa e verdadeiramente responsável.